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Belas e burras: uma conversa sobre beleza
Estamos de volta! Há alguns meses, eu, a Maíra V., do blog Vulva Revolução, e a Clarissa Wolff, da coluna na Carta Capital e o vlog A Redoma de Livros, tentamos falar sobre o que diabos significa ser uma blogueira hoje.
Desta vez, nós, três mulheres brancas que falam demais, encaramos outra missão: discutir nossa relação com beleza. Somos bonitas? O que é ser bonita? Maquiagem é um instrumento inventado pelo próprio demônio para roubar a alma de mulheres? Vejamos.
💅
Clarissa Wolff: Quando vocês começaram a se maquiar e a se depilar?
Amanda V.: Comecei a me maquiar muito pequena. Mas nessa época lembro que era algo mais lúdico e menos uma cobrança.
Já a depilação foi com uns 13 anos de idade. Lembro que minha mãe não queria que eu me depilasse porque ela achava que não precisava (sábia haha), mas eu acabei insistindo tanto que ela me levou no salão de beleza.
Maíra V.: Maquiagem acaba sendo algo muito presente na nossa vida desde sempre, por conta das mulheres ao redor. Mas, como a Amanda disse, era algo mais lúdico na infância. Eu gostava de brincar com as coisas da minha mãe e das minhas tias.
Depilação eu nem pensava sobre. Aí quando eu estava na sexta série, uma professora de artes que eu adorava e sempre me incentivava muito comentou que eu poderia fazer a sobrancelha pra ficar mais bonita.
Aí comecei a ficar bolada, pensando "meu deus o que tem de errado com minha sobrancelha" e comecei a falar pra minha mãe que eu tinha que fazer, mas ela não deixou porque me achava muito nova pra isso.
Um dia fui numa festinha de aniversário de alguém da escola e depilei escondida os poucos fiozinhos que eu tinha na axila porque desde que me liguei pra questão de pelos, comecei a ficar bolada. Minha mãe ficou brava!
C: Minha mãe NUNCA se maquiou, mas eu sempre gostei. Eu me maquiava com CANETINHA quando era criança hahaha. E usava canetinha pra fazer pulseiras, colares também.
M: Clarissa, eu pintava unha com liquid paper ou canetinha e ficava muito escroto! Mas eu sabia, e fazia só pra zoar... Mas às vezes pintava a sério com esmalte também. Mas só se fosse de cores neons e afins.
Hoje em dia eu pinto muito de azul ou verde, quando pinto. Percebo que é como se eu tivesse achando que tô subvertendo a norma, sendo diferentona, mas ainda assim fazendo o que todo mundo faz e sendo feminina, será? Bom, sou fruto desse tempo.
C: Uma amiga minha começou a ter pelos na axila mais nova, e a mãe dela proibia ela de se depilar. Era verão e todo mundo fazia bullying com ela, ela tinha cabelo preto então ficava muito visível.
Daí eu já me dei conta que não podia, falei com a minha mãe sobre isso, e quando comecei a notar ela me ensinou a me depilar.
Mas ela também nunca cobrou muita feminilidade de mim, apesar de a depilação ela ainda achar necessário hahaha. Me enche o saco porque eu parei.
A: Esse negócio das mães proibirem intervenções estéticas… Eu lembro que na época achava que minha mãe tava tentando me barrar de crescer, me prendendo na infância.
Mas hoje eu vejo que ela sabia o quanto era ruim passar por essa cobrança e não queria que eu me prendesse a isso tão cedo. Minha mãe nunca me deixou alisar o cabelo e eu sou muito grata.
M: Pois é, acho que minha mãe também sabia, no fundo, o quanto tudo isso era chato. E o quanto é desnecessário uma criança ou adolescente ficar se preocupando excessivamente com a própria aparência.
Infelizmente isso não evita cobrança de terceiros, bullying e afins.
C: Engraçado, pra mim não funcionaria essa forma de lidar.
Mas eu acho que tem a ver com traumas meus – por exemplo, a quimioterapia fodeu meu cabelo a primeira vez que eu fiz, então ela deixava eu fazer escova progressiva depois.
Talvez se não tivesse tido esses traumas fosse diferente, sabe?
A: Tô achando interessante porque falar de beleza acabou trazendo também um pouco da relação com nossas mães, né?
M: É mesmo, Amanda... Acho que porque beleza acaba sendo um "ensinamento" hereditário, mesmo que não diretamente. Às vezes pela observação.
C: A Dworkin fala muito disso em Woman Hating. Que as tradições de feminilidade e submissão são passadas de mãe pra filha e que isso gera uma relação de ódio de filha pra mãe, mas que a mãe sabe que é "necessário" pra filha viver em sociedade.
Amo unhas pintadas, mas não pinto porque eu percebi que eu gastava MUITO TEMPO toda semana, tipo duas horas, pra fazer as unhas em casa, ou então gastava quase 100 reais por mês pra fazer em salão, e daí falei pra mim mesma que NÃO.
Depois que botei silicone (que também teve a ver com meus traumas, tive câncer a primeira vez no momento da puberdade que atrasou todo o meu processo, daí não tive peitos, cresci pouco etc), eu fiquei uns três dias numa deprê fodida pensando: eu tô morrendo de dor e gastei milhares de reais pra ficar MAIS BONITA?
A: Eu conheço uma pessoa que colocou silicone e pensou a mesma coisa depois, Clarissa... Acho que em relação a cirurgias plásticas a gente não é ensinada a reconhecer o quanto o procedimento pode ser invasivo e o impacto psicológico que pode ter.
C: Eu amo meus peitos (ainda olho pra eles e fico DAMN! I´M HOT! [“caramba, eu sou gostosa!”, em inglês]), então acredito que se eu perdesse eles iria querer fazer de novo hahahaha. Mas isso é por egoísmo. Minha postura política é ser contra.
Eu vou ao salão só duas vezes por ano porque acho muito cansativo e entediante. Mas eu amo me maquiar. Eu uso maquiagens só em ocasiões que realmente QUERO, tô com vontade, o que foi uma vitória pra mim. Por muito tempo eu não saía de casa sem.
Inclusive várias vezes meus pais me chamavam pra ir jantar e eu falava que ia me maquiar (e eu demorava) e eles falavam que não, que era pra ser rápido, pra sair na hora, daí eu preferia ficar em casa comendo pão puro do que ir comer fora pra não sair sem maquiagem.
Mas apesar de perceber o quanto de errado existe na maquiagem (e acho que essa coisa de autoestima é muito individualista para justificar todo o prejuízo social), depois que eu parei de me maquiar por obrigação sobrou só o prazer.
A: Clarissa, eu passei pela mesma coisa que você, isso de não conseguir sair de casa sem maquiagem. Até pra ir à farmácia eu tinha que passar base, delineador, blush e batom.
E eu tinha muita vergonha de sair sem maquiagem, era como se meu rosto sem maquiagem não fosse meu rosto de verdade. Pra ser eu mesma eu tinha que estar maquiada, era o rosto que eu reconhecia como "meu".
C: Quando vocês prestaram atenção na própria beleza as primeiras vezes? E hoje: se sentem bonitas?
A: Hmmm, eu passei muito tempo me sentindo feia, então acho que só fui me reconhecer bonita depois dos 18, mas era uma percepção de beleza muito vinculada ao fato de eu estar recebendo muita atenção masculina, a ser "desejada".
Depois fui reconhecendo que eu na verdade estava sendo objetificada e comecei a me esforçar pra me desvincular dessa necessidade, porque eu vi que estava num processo de autodestruição, que não era saudável.
C: Mas quando você parou pra pensar se você era feia ou bonita? Na infância?
A: Na pré-adolescência, era uma coisa bem social mesmo, de ver que eu era tratada de um jeito diferente, que os meninos não se interessavam por mim.
C: Eu sempre fui muito elogiada na infância, sempre me achavam muito bonita. No ensino fundamental, lembro que fui votada uma das três meninas mais bonitas da sala. Mas isso gerou em mim uma cobrança de que eu PRECISAVA ser bonita.
Daí depois que tive câncer a primeira vez, isso zoou meu cabelo e meu corpo total, não tinha peito, o corticoide me fez não crescer tanto. E eu tive aquela fase patinho feio que foi muito intensa.
Eu vestia uma "máscara" de me sentir linda o tempo todo – até porque a fase patinho feito durou pouco, eu continuei sendo muito elogiada, mas era uma máscara.
Eu não comia pra emagrecer, eu não saía de casa sem maquiagem, eu odiava meu corpo, era um ódio gigante e absurdo que eu achava que ia se resolver se eu ficasse magérrima e com peitos, eu me cortava, eu me odiava em um nível realmente muito profundo.
M: Não lembro exatamente quando que comecei a reparar em mim mesma nesse sentido, pensando se sou bonita ou não.
Cresci sendo chamada de gorda (sem ser, apenas não era super magrinha) e tendo o meu cabelo sacaneado por algumas pessoas da família e escola, mas também tinha muita gente que realçava minha beleza, falava que eu era fofinha, uma gracinha.
Na escola, sempre tinha aquela coisa, da menina mais bonita da sala ser a loirinha com cara de "alguém da televisão" ou de a mais sacaneada ser justamente a que não fosse branca ou que desviasse muito do padrão (muito alta! muito gorda! espinhas e aparelho! etc!).
Então acho que sempre me vi como nem a mais bonita e nem a mais feia e sempre busquei trabalhar aspectos relacionados à inteligência e identidade, porque é o que sempre gostei nos outros. Nunca fui de me apaixonar por alguém só porque "achei bonito".
C: Engraçado, eu acho que eu só desenvolvi a inteligência porque eu também não me sentia bonita.
Eu sentia a obrigação de ser bonita, mas como me sentia feia, sentia que ser inteligente era minha única saída.
A Courtney Love fala isso numa entrevista, que o Kurt Cobain fala que ela é a melhor foda da vida dele porque ela precisou aprender a transar bem já que não era bonita.
Pretty on the inside ("Bonita por dentro"), da Hole, banda liderada pela Courtney Love
A: E nesse processo a gente acaba antagonizando outras meninas, né? Lembro que tinha certas meninas que eu detestava e considerava "burras" ou "superficiais", mas na verdade era inveja porque eu achava que elas eram mais bonitas do que eu.
M: Eu não vejo assim, no meu caso, porque eu lia muito desde antes de pensar em beleza... Minha mãe trabalhava demais e eu ficava na casa da minha avó, lendo os livros do meu tio.
C: É engraçado porque eu sempre ouvi que era muito inteligente e bonita, mas eu me via inteligente e investia nisso, mas não me via bonita.
E eu acho que isso tem a ver com o âmbito social.
Porque eu sozinha, individualmente, conseguia perceber que era inteligente, mas a beleza depende do outro, de gerar desejo no outro – e quando digo outro digo homens.
E acho que isso tem a ver com aquela coisa de que as mulheres precisam ser perfeitas em tudo.
A: Pois é, acho que mesmo você sendo validade socialmente como bonita a feminilidade é tão forte que você continua se sentindo imperfeita?
Lembro que li uma matéria que falava que a Chrissy Teigen fez uma cirurgia pra retirar a gordura das axilas e, caramba, é isso, saca? Você pode ser a Chrissy Teigen e ainda assim vai achar que seu suvaco é "gordo" e precisa ser corrigido.
C: E a Chrissy Teigen é considerada gorda pela mídia muitas vezes. A JENNIFER LAWRENCE é considerada fora do padrão. Branca, olho claro, loira e magra.
M: Acho que o que me ajudou talvez foi andar em lugares de gente "estranha" e ser "roqueira" (rs) desde adolescente, porque eu achava todo mundo tosco e queria que todo mundo explodisse.
Eu não era super bem resolvida, claro, mas também não achava que tinha que agradar, na verdade eu ficava muito brava com qualquer insinuação de que tivesse que agradar.
No entanto, quando se é jovem, isso acaba indo prum caminho de antagonização mesmo. Porque daí eu não me achava igual às "patricinhas escrotas e fúteis" (mas incluía aí também os "playboys babacas").
C: Eu tava do outro lado. Apesar de eu ser inteligente, minha vida adolescente foi tentar aperfeiçoar a arte de ser patricinha escrota e fútil. Eu fiz metade de faculdade de moda, né. Eu era a filhinha perfeita do patriarcado.
M: Eu fiz faculdade de moda também!!!!!! Mas porque queria fazer looks diferentões, rs. Mas larguei, não me identifiquei. E olha que tentei fazer aqui em Brasília e em São Paulo.
Eu queria "desconstruir" e fazer coisas acessíveis, pensava até em ter uma marca chamada "Igualdade" com um símbolo que tivesse o símbolo de Vênus e Marte, kkkkkkkk.
C: E eu era com frequência julgada muito burra hahahahaha. Eu me divertia indo nos lugares – eu tinha um vestido curtinho verde que era bem tipo 90210, e eu ficava tão patricinha de LA usando!
Eu gostava de ir e ficava fingindo que era idiota e daí quando todo mundo tava 100% me desprezando eu falava algo muito esperto.
Beverly Hills, 902010, série americana exibida entre 1990 e maio de 2000 |
A: Nossa, eu lembro que quando eu comecei a ser vista como bonita pelos caras foi também quando eu comecei a ser vista como burra hahaha.
M: É muito louco isso, né? O "male gaze" [“olhar masculino”, em inglês] tem um papel fundamental na construção de autoestima de uma mulher.
E eles sabem disso, enquanto indivíduos e enquanto instituições e afins, e por isso manipulam tanto essa noção de beleza.
Era pra um monte de mulher crescer cabulosa, poderosa, quebrando tudo, mas essa noção de que é insuficiente porque talvez não seja tão bonita assim acho que acaba enfraquecendo o rolê de muita mina.
C: É muito louco que hoje em dia eu me sinto linda (ainda mudaria algumas coisas como ter a cintura mais fina, a postura melhor e o braço mais magro mas enfim), mas em geral me sinto linda mesmo.
Só que aí tenho outras piras. Por exemplo: quando publicar meu livro, como vou fazer na foto de autor? Porque não posso ficar "bonita", senão vão achar que escrevo mal.
E daí isso me leva pra outra coisa: o que mudou na vida de vocês negativamente quando vocês descobriram que eram bonitas?
A: Acho que me descobri bonita quando parei de me preocupar com ser bonita hahaha quanto menos eu penso sobre isso menos eu me incomodo e aí me sinto bem comigo mesma, beleza vira menos uma coisa visual e mais uma sensação de pertencimento a você mesma.
M: Eu nunca me descobri bonita, acho, porque tenho muitas características que podem ser chamadas de "fora do padrão" e, ao mesmo tempo, não me acho feia.
C: Mas bonita precisa ser do padrão?
M: Não precisa! Mas vejo que tudo que as pessoas chamam de bonito tem a ver com o padrão. O padrão é uma régua. Por isso tenho tentado também me preocupar menos com isso.
Vejo até em meios feministas, quando falam em se amar, em se gostar, daí as pessoas que são enaltecidas sempre são mais dentro do padrão de algum modo, ainda que não do padrão usual.
E lembro do que a Naomi Wolf falou em uma edição de 2002 do livro "O mito da beleza", ela atualizou a introdução falando que previa um "mito da beleza" pra cada tipo físico, cor etc.
E é o que está rolando mesmo, justamente por esse "se sentir bonita" que vem desse molde capitalista.
C: Isso tem a ver com aquela outra coisa que eu queria levantar, que é o seguinte. Tem MUITOS homens ídolos que são feios, mas "charmosos", mas inteligentes, mas enfim, qualquer desculpa.
Mas mulher SEMPRE precisa ser bonita, nem que seja "bonita do jeito dela", sabe? Precisa se sentir bonita e ser bonita pra ser valorizada.
M: E bonita de um jeito muito massificado. Existem vários tipos de homens bonitos, com várias posturas, estilos, idades.
Mulher bonita segue uma fórmula muito específica de cabelo, maquiagem, roupa, comportamento, tipo de nariz, de olho, de peso, de pele…
Se o Adam Driver fosse mulher, ele seria considerado uma mulher bonita? (EU ACHO ELE MARAVILHOSO).
C: Se o oposto dele for a Lena Dunham, a resposta tá aí né?
Ela é xingada de feia e gorda toda hora – e daí vem outro ponto. Por que FEIA e GORDA são xingamentos? Digo, óbvio que a gente sabe a resposta, mas é algo que não tem o mesmo peso pra homem.
M: Acho que isso entra em algo que eu tava falando antes, de desestimular mulheres.
Porque essa pressão acaba fazendo com que mulheres tenham medo de enfrentar o espaço público. Tenham medo de se colocarem como artistas, formadoras de opinião ou o que seja.
C: E acho que tem a ver com racismo também, porque são os homens brancos que têm essa prerrogativa.
Você não vê o Donald Glover (amor da minha vida) endeusado 10% do que tanto homem feio de doer.
M: Se a Lena Dunham é chamada de gorda, imagina uma mulher que é realmente gorda, como não seria tratada?
Parece um jeito de controlar a narrativa. Uma mulher talentosa ou que conseguiu sucesso por algum modo nunca vai poder usufruir disso por completo, porque alguém sempre vai falar que GORDA, OBESA, FEIA, NARIZ TORTO!!
C: Vou levantar outra coisa: Por muito tempo, eu tinha raiva de assédio, mas ao mesmo tempo PRECISAVA dele, porque ele servia como validação para minha beleza, pra essa coisa de ser fuckable ["comível"]. Vocês tiveram algo assim ou é só meus problemas mentais mesmo?
M: Eu sou ansiosa desde criança, sempre tive pavor de estranho falando comigo.
A: Hmmm, acho que quando eu era adolescente e buzinavam pra mim na rua eu me sentia com medo mas também me sentia mais validada enquanto mulher, então rolava uma vaidadezinha sim.
M: Nossa, eu detestava. Andei a pé por muito tempo e passei por muitas situações que me deram medo.
A: Mas um cara buzinar pra você na rua é diferente de te seguirem ou te tocarem sem sua permissão, então existem contextos em que eu sentia tanto medo que não tinha espaço pra essa vaidade. Acho que depende do grau em que aquele assédio faz você se sentir em risco.
C: Então, mas nas situações que eu sentia muito medo, depois eu contava pras pessoas e rolava sempre "uhuuul tá podendo hein" e eu ficava pensando "ué será que tô?" e alimentava minha necessidade de aprovação masculina, saca?
M: Mas acho bem ruim também, considerando que os caras buzinam o tempo todo. Tem uma parada perto de casa que é perto de uma avenida grande que esperar ônibus por 20 minutos era ouvir umas 30 buzinadas. Muito insuportável.
A: Mas acho que algumas mulheres podem ter uma relação mais ambivalente, como é o caso da Clarissa e o meu. Não quer dizer que é agradável ou que os homens podem fazer essas coisas (não podem!).
M: Essa ambivalência entra na questão do "male gaze", né? Às vezes ser notada de um modo negativo pode ser melhor do que não ser notada de jeito algum.
Fiquei pensando a partir disso em como beleza entra, então, como um fator crucial de manutenção social.
Considerando que o padrão costuma excluir pessoas mais velhas e ser racista e gordofóbico, entre outras coisas, essa pressão sobre a aparência de mulheres acaba sendo uma arma eficaz no desmonte delas enquanto "sujeitos" ou "indivíduos".
A: E o Brasil é um país em que a indústria da beleza é super forte, né? É uma das poucas que não foi afetada pela crise.
C: Sim. Só perde pros EUA em plásticas, eu acho.
M: Daí por isso às vezes queria pensar menos sobre ser bonita ou não, e não encontrar uma forma de "ser bonita do meu jeito" ou afins. Mas isso é bem difícil.
C: Exatamente. Porque a gente tá muito focada no processo individual de "se sentir bonita como se é", mas acho que a libertação só vem num nível social de não precisar mais ser bonita.
A: Como vocês enxergam a relação entre vida profissional e beleza? Já enfrentaram alguma dificuldade ou cobrança nesse sentido?
C: Eu já fui assediada no trabalho. Tava trabalhando com uma banda brasileira e o cara ficou me falando cada merda, me chamando de ninfetinha, me chamando pra ir com ele pro show e ficar com ele, tocando em mim, só que eu não podia falar nada pois estava trabalhando. Mas de cobrança não. Minha indústria é de boa, nesse sentido.
A: Eu também não, tive sorte de trabalhar em lugares em que a maioria das pessoas eram mulheres e com mulheres em posição de liderança, então acho que me sinto menos observada. Mas eu também raramente interajo com clientes, acho que se interagisse seria diferente.
M: Já. Meu primeiro emprego foi em uma loja horrorosa em que o gerente sempre falava que eu estava com "cara de cansada" quando eu ia sem maquiagem.
E depois de formada, enquanto jornalista, sei que em certas ocasiões preciso estar "arrumada" e "maquiada” e não entra nem em cogitação ir contra até mesmo porque eu me sentiria mal de não estar cumprindo certos requisitos. Mas quando o trabalho é interno, preciso ficar só numa sala, aí vou como quiser.
Maquiagem, salto e afins acabam entrando como uma obrigação profissional em muitos casos porque se a gente não entrar na dança, vai parecer menos dedicada, menos engajada ou menos preocupada com o emprego.
Me parece um acordo em que a gente nunca decidiu nada sobre, só teve que engolir, rs.
A: Sim, mulheres acabam tendo que gastar mais pra ficarem "profissionais" e ganham menos ou o mesmo tanto que homens.
Acho que se o ambiente de trabalho exige maquiagens e afins eles pelo menos poderiam pagar mais pras mulheres kkkkkk.
M: Sim! E, convenhamos, sapatos e roupas femininas são bem mais caros também. Os caras usam a mesma calça direto e trocam umas camisas e ainda se saem como os galãs.
C: Eu também acho que certas coisas como salto alto, saias justas etc servem pra limitar nossos movimentos e nos deixar mais vulneráveis.
A: Lembro de um evento em que trabalhei em que as funcionárias tinham que usar salto e uma delas tirava uma folga de alguns minutos escondida pra tirar o sapatos e descansar os pés. Além de caro, é desconfortável e a longo prazo pode gerar problemas de saúde.
M: Pois é. Deixa vulnerável e causa danos, que combo! E fico pensando que o tipo de vestimenta que naturalizamos como "de mulher" e que costuma "realçar" partes do corpo acabam deixando a gente mais paranoica com o próprio corpo também.
Tipo, os caras usam sempre coisas mais largas, mesmo que usem roupas acinturadas ou calça justa, não é tão justo quanto algumas roupas feminina. Então eles não precisam se preocupar com detalhes milimétricos.
Vejo mulheres se preocupando se parece ter sei lá o que na barriga, na perna, saindo da axila, nas costas… Cirurgião estético é quase um alfaiate do corpo feminino!
A: Além de a gente ter que ficar vigilante também né? Não deixar a calcinha aparecer se tiver de saia, não deixar a maquiagem borrar, não deixar o sutiã aparecer.
Lembro daquele inferno que foi a moda de calça de cintura baixa. Tinha que ficar o tempo todo tomando conta pro cofrinho não aparecer. Nada conveniente.
M: Exato, nossa. Toda hora uma preocupação com corpo, roupa, aparência, com o que os outros estão achando.
Gente, já vi alguém da minha família, acho que minha mãe ou tia, falando sobre usar calcinha bonita pra caso tenha um troço na rua não ir parar no hospital com calcinha velha! Que homem pensaria nisso? ✨
Leia nossa primeira conversa, Ocupadas pensando sobre blogs.
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